OS ACIDENTES QUÍMICOS NA AMÉRICA LATINA Lilia A. Albert
Introdução| Quem se prejudica com os acidentes químicos? | Quais são os custos para os governos? | Alguns dados específicos |Panorama Geral | Alguns fatores comuns | Algumas deficiências do registro de acidentes químicos na América Latina | Situação atual
As substâncias químicas podem ser perigosas por diversas razões. Podem, por exemplo, ser tóxicas a curto e longo prazo; podem ser explosivas, inflamáveis, corrosivas, radiotivas ou reativas. Porém, a presença simultânea de várias substâncias em um mesmo local acresce de maneira considerável o risco de acidentes, com conseqüências graves. Os acidentes químicos são o resultado de emissões não controladas, ao ambiente, de uma ou várias substâncias nocivas para a saúde, para o ambiente ou bens materiais. Ainda que estes acidentes tenham se iniciado com o desenvolvimento tecnológico da humanidade, o seu número aumentou na Europa e nos Estados Unidos a partir da Revolução Industrial. Também aumentaram no mundo todo, após a Segunda Guerra Mundial, com o impressionante desenvolvimento industrial que se seguiu, com o incremento em número e quantidade de substâncias químicas, e com o consumo de energia, e portanto de combustíveis de diversos tipos. Tudo isso contribuiu para elevar o número de acidentes químicos no mundo e aumentar também a sua gravidade. Os acidentes químicos estão associados a vazamentos, derramamentos, explosões, incêndios, etc, de substâncias perigosas, tanto devido pela libração desses materiais quanto por eventuais reações químicas que podem resultar na formação de outros materiais. Muito freqüentemente acontecem ambas as coisas; ou seja, no início pode ocorrer um vazamento, derramamento, explosão, etc, com a qual está associada uma ou mais substâncias químicas, o que propicia que se formem outras substâncias e estas entrem no ambiente. Portanto, os acidentes químicos são acontecimentos perigosos para a comunidade da redondeza, não somente no momento em que ocorrem, como também podem causar graves danos a longo prazo e em locais relativamente afastados. Os riscos de que aconteçam estes acidentes e de que as suas conseqüências sejam graves ou mesmo irreparáveis, dependem das características e quantidades da substância ou substâncias envolvidas, as condições de manipulação, a natureza dos processos associados, a vulnerabilidade do entorno e as condições das populações potencialmente expostas. As conseqüências destes acidentes depende em grande parte da eficiência na atuação frente a estas emergências. Os acidentes químicos são basicamente de dois tipos:
Exemplos deste tipo de acidentes abundam na literatura mundial. É só lembrar os casos de Bhopal, Seveso, Chernobyl e Basiléia (outros continentes), e na América Latina os de San Juanico e Guadalajara no México, Goiânia no Brasil e aquele que aconteceu na estrada de Caracas a Valência na Venezuela. Vale lembrar também, os repetidos casos de contaminação de alimentos com praguicidas como o "paratión", que provocaram um número elevado de vítimas em países como a Colômbia e México desde fins dos anos 60 até meados da década de 70. Entre os acidentes deste tipo em outras regiões do mundo estão os muito conhecidos da Baía de Minamata no Japão e as doenças conhecidas como Itai-Itai e Yusho também no Japão, bem como a síndrome de óleo tóxico na Espanha. Na América Latina aconteceram vários casos similares ao de Minamata; entre eles, os da contaminação com mercúrio da Baía de Cartagena; a Lagoa de Maracaibo; a Lagoa de Manágua e Salvador na Bahia, Brasil. Porém com relação a este eventos, a informação que se soube a seu respeito foi parcial e não foi amplamente divulgada. Em todos estes casos, o mercúrio chegou ao ambiente como resultado da operação de fábricas de cloro que usavam tecnologia antiga. É importante lembrar que estas fábricas foram vendidas (ou passadas) à América Latina pela companhia Pennwalt, quando viu-se a necessidade de substituir este tipo de tecnologia nas suas indústrias nos Estados Unidos, pelas quais requerem o uso de diafragma. A contaminação de solos e águas ao redor da fábrica "Cromatos do México" localizada ao norte da cidade do México, que aconteceu no princípio dos anos cinqüenta e cujos efeitos ainda perduram, foi um dos primeiros casos de contaminação ambiental por detritos perigosos na América Latina e causou um número elevado de vítimas por motivo da exposição prolongada a cromatos, bem como a poluição ambiental da região, que ainda persiste. Outro caso de tipo crônico foi o causado pela ingestão de sementes tratadas com fungicidas constituídos por mercúrio na Guatemala, similar aos casos prévios, do Iraque e Paquistão. Este último demorou em ser corretamente diagnosticado por falta de conhecimento por parte dos responsáveis pela solução do problema. 2. Quem se prejudica com os acidentes químicos?2.1 Os de tipo agudo
2.2 Os de tipo crônico Dependendo das características geográficas da região e do tempo que dure o vazamento ou emissão do agente tóxico, o dano pode chegar a um local relativamente pequeno ou maior e, em função do nível da poluição ambiental que resulte, pode afetar uma ou mais gerações. Por exemplo, ainda que em Minamata tenha-se reconhecido oficialmente 439 mortes e 1.044 afetados irreversivelmente pela ingestão de peixe contaminado por mercúrio ou pela exposição indireta na etapa pré-natal devido a que as mães ingeriram peixe contaminado com mercúrio, diversos autores calculam que o número de pessoas afetadas na área ao redor da baía foram pelo menos 10.000. Outros afirmam que o coeficiente intelectual (QI) das crianças da região que nasceram durante o episódio é aproximadamente vinte pontos menor que o QI das crianças da mesma idade nascidas nas regiões do Japão afastadas de Minamata. 3. Quais são os custos para os governos?A partir dos dados disponíveis sobre os custos da reparação nos acidentes de Seveso, Bhopal, Basiléia e Guadalajara, pode-se concluir que seria uma economia considerável para os governos e inclusive um magnífico investimento, começar a tomar precauções básicas para evitar os acidentes químicos nos seus respectivos países ou, pelo menos, reduzí-los, bem como para minimizar os danos imediatos e a longo prazo que afetarão a população por um tempo considerável. No caso dos acidentes químicos isto significa que, sem importar onde nem como aconteçam, PREVENIR É MELHOR QUE REMEDIAR. 4. Alguns dados específicosAinda que muito poucas, as informações que se dispõem indicam que, atualmente, os acidentes químicos são um problema de grande magnitude na América Latina. Assim, entre 1978 e 1985, só no estado de São Paulo, Brasil, registraram-se 90 episódios, dos quais 72% foram causados por petróleo e seus derivados. No México, entre novembro de 1984 e outubro de 1985 (um ano depois do acidente de San Juanico) apareceram nos jornais nacionais informação sobre 34 episódios, a maioria deles, associados com praguicidas e metais pesados; 28 destes eventos causaram 2.321 casos de intoxicação e 271 mortes, o que dá uma taxa de mortandade de 12%. Também no México, entre fevereiro de 1991 e dezembro de 1992, de acordo com os jornais nacionais, aconteceram 113 acidentes químicos, nos quais predominaram os vazamentos e os derramamentos de substâncias químicas, com uma freqüência total de 72%. Porém neste, como no caso de São Paulo, segundo os registros disponíveis, é impossível obter o número de pessoas afetadas assim como as taxas de mortandade e mortalidade associadas com o acidente. Segundo dados colhidos pelo Centro de Informação Química para Emergências (CIQUIME) na Argentina sem contar os acidentes causados pela contaminação de vinho com álcool metílico que, formalmente, deveriam ser considerados como acidentes químicos durante 1992 houve 15 acidentes com um total de 89 lesionados e 6 mortes. Em um deles, inclusive, houve risco de exposição de 700.000 pessoas. Nestes acidentes, assim como nos do México, também predominaram fugas e derramamentos, com uma proporção total de 60,0%. Na Argentina, a maior porcentagem destes acidentes (73,33%) aconteceu nas instalações fixas, o que coincide com o informado pela Agency for Toxic Substances and Disease Registry (ATSDR) dos Estados Unidos, segundo a qual a proporção de acidentes nas instalações fixas nesse país foi calculada em 71,3%. É importante dizer que, segundo dados do CIQUIME, 40% dos acidentes antes citados foram causados por substâncias consideradas como tóxicos agudos (classificação 6.1 das Nações Unidas). 5. Panorama GeralEm 1987 foi realizada uma oficina no Rio de Janeiro, sob o patrocínio da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e do seu Centro Pan-Americano de Ecologia Humana e Saúde (ECO-OPAS/OMS), no qual os especialistas da Região analisaram algumas das características que podem influir sobre a freqüência dos acidentes químicos. Em 1987, entre os principais dados ali reunidos, destacam-se:
Se analisarmos os acidentes químicos que aconteceram na América Latina até o presente, conclui-se que há vários fatores comuns.
Entre as principais deficiências encontram-se as seguintes:
Sobre isto, é interessante ressaltar que nos Estados Unidos a Agência de Substâncias Tóxicas e Registro de Doenças (ATSDR) iniciou um programa para registrar os acidentes químicos em cinco Estados desse país.Para surpresa dos responsáveis do programa, encontrou-se que: Este segundo achado permite supôr que, muito freqüentemente, as empresas não informam sobre seus acidentes quando os controlam antes de que causem um dano ao exterior. 8. Situação atual Com estes antecedentes é possível imaginar qual é o panorama atual na América Latina quanto à prevenção de acidentes químicos e a sua atenção eficiente imediata, e a longo prazo. Além disso, pode-se vislumbrar o panorama quanto ao controle do próprio acidente, o atendimento de feridos e evacuados, a reabilitação do local (se ficou contaminado) sem colocar em risco excessivo os empregados, o pessoal de primeira resposta, e a população próxima. O panorama da Região sobre os acidentes químicos não mudou de maneira importante desde a Oficina que se realizou em 1987. Portanto, pode-se afirmar que continua sendo práticamente o mesmo e que, nestes casos, o mais freqüente é que ocorram juntamente a ignorância, a irresponsabilidade e o risco. Pelo exposto, considera-se que a previsão da citada Oficina ainda é válida em afirmar que o próximo acidente químico de importância na Região acontecerá no México, no Brasil ou na Argentina. Portanto, é responsabilidade dos governos, dos organismos internacionais, das associações de industriais e dos cidadãos como um todo, trabalhar para reduzir este tipo de riscos e suas conseqüências adversas para a população e o meio ambiente.
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