NOÇÕES BÁSICAS DE TOXICOLOGIA APLICADAS ÀS EMERGÊNCIAS QUÍMICAS Nilda A.G.G. de Fernícola
Acidentes
químicos | Classificação dos acidentes químicos| Aspetos toxicológicos para a assistência
de um acidente químico | Toxicologia | Conclusões | Bibliografia
1. Acidentes químicos A Organização Mundial da Saúde - OMS, utiliza os termos acidente químico e emergência química para se referir a um acontecimento ou situação perigosa que resulta da liberação de uma substância ou substâncias que representam um risco para a saúde humana e/ou o meio ambiente, a curto ou longo prazo. Estes acontecimentos ou situações incluem incêndios, explosões, fugas ou liberações de substâncias tóxicas que podem provocar doenças, lesões, invalidez ou a morte, freqüentemente de grande quantidade de seres humanos. Embora a contaminação da água ou da cadeia alimentar por causa de um acidente químico possa afetar populações dispersas, freqüentemente a população exposta está dentro ou muito próxima de uma zona industrial. Em uma área urbana, a população exposta pode estar próxima a um veículo acidentado que transportava substâncias perigosas. Com menos freqüência, a população exposta está a uma certa distância do lugar do acidente, incluindo zonas do outro lado das fronteiras nacionais. Esta definição deve ser proposta junto com o conceito de "incidente químico", na qual uma exposição originada por liberações de uma substância ou substâncias químicas podem se tornar em doença ou possibilidade desta. A quantidade de pessoas afetadas por um acidente químico pode ser mínima (mesmo uma só), a doença, incapacidade ou morte pode se manifestar em um lapso de tempo longo, por exemplo anos depois do acidente. Além dos efeitos para a saúde humana, os acidentes químicos podem provocar um dano considerável ao meio ambiente a longo prazo, com numerosos custos humanos e econômicos (IPCS/ OECD/ UNEP/ WHO 1994). 2. Classificação dos acidentes químicos Sob o ponto de vista da saúde, existem várias maneiras de classificar os acidentes químicos, das quais nenhuma é completa ou mutuamente excluente. Por exemplo, a classificação poderia estar baseada nas substâncias químicas envolvidas, na quantidade, na forma física, onde e como aconteceu a fuga; nas fontes de liberação; na extensão da área contaminada; na quantidade de pessoas expostas; nas vias de exposição; e nas conseqüências à saúde ligadas à exposição. Algumas considerações são necessárias para esclarecer esta classificação e são apresentadas a seguir:
3. Aspetos toxicológicos para a assistência de um acidente químico Alguns dos desastres que aconteceram mais recentemente revelaram a necessidade do conhecimento da toxicidade dos compostos utilizados na indústria. Este conhecimento é essencial para a aplicação de um tratamento efetivo e rápido dos efeitos tóxicos, bem como para o tratamento de intoxicações acidentais. No caso do acidente de Bhopal, que aconteceu em 1984 na Índia, onde era fabricado o inseticida Carbaril, houve uma liberação de isocianeto de metila. Nessa época, pouco ou nada se conhecida sobre a toxicidade desta substância e como conseqüência o tratamento das vítimas foi incerto e possivelmente inadequado. Frente à grande quantidade de substâncias químicas, a pergunta que surge é: "Todas as substâncias químicas são tóxicas?". Provavelmente a melhor resposta seria: "Não há substâncias químicas seguras, mas sim maneiras seguras de utilizá-las (Timbrell, 1989). No documento OPAS/OMS (1998) aconselha-se que as autoridades locais deveriam estar preparadas para tomar parte no processo de conscientização e preparação para acidentes químicos, ou em um programa semelhante, incluindo o intercâmbio de toda a informação importante com a comunidade e a indústria local. Assim, os hospitais e outras instalações destinadas ao tratamento, os profissionais de saúde, os centros de informação toxicológica e os centros para emergências químicas deveriam participar neste processo. Sob este ponto de vista, considera-se importante que os participantes tenham conhecimentos básicos de toxicologia para a assistência de uma emergência química. Estes conhecimentos facilitarão as atividades dos profissionais que participam na assistência da emergência bem como a proteção adequada para evitar os efeitos tóxicos. Em 1988, em um artigo publicado por Gajraj, na revista UNEP Industry and Environment, sobre as necessidades de capacitação na mitigação e contenção para acidentes, já se consideravam os aspectos toxicológicos entre as atividades desse tipo de capacitação. 4. Toxicologia A toxicologia é a ciência que estuda os efeitos nocivos produzidos pelas substâncias químicas sobre os organismos vivos. Assim, o indivíduo humano, os animais e as plantas podem estar expostos a uma grande variedade de substâncias químicas. Estas podem ser desde metais e substâncias inorgânicas até moléculas orgânicas muito complexas. Segundo o Programa Nacional de toxicologia do Serviço de Saúde Pública dos EUA (EUA, 1999), existem nesse país 80.000 substâncias químicas às quais os habitantes podem estar expostos através de produtos industriais e de consumo, como também quando estão presentes nos alimentos, na água encanada e no ar que é respirado. Geralmente, supõe-se que relativamente poucas destas representam um risco significativo para a saúde humana, nas concentrações de exposição existentes, e que os efeitos na saúde produzidos pela maioria delas são geralmente desconhecidos. Em 1998, segundo outra publicação, o inventário das substâncias químicas comerciais na Europa registrou 100.000 comercializadas para vários propósitos. Segundo a Associação das Indústrias Químicas da República Federal da Alemanha somente ao redor de 4.600 substâncias são produzidas em quantidades superiores a 10.000 ton anuais. O resto das substâncias são uitizadas no laboratório ou em produtos manufaturados. 4.1 Conceitos básicos de toxicologia Alguns termos de uso freqüente em toxicologia são importantes e devem ser conhecidos. Por exemplo: substância perigosa, risco, toxicidade, doses, exposição, absorção, biodisponibilidade, distribuição, acumulação, biotransformação, eliminação e efeito tóxico. 4.1.1 Substância perigosa Uma substância perigosa ou um agente perigoso tem a capacidade de causar dano em um organismo exposto. Um exemplo esclarecerá este conceito: a estricnina é uma substância química muito tóxica. Quando está dentro de um frasco perfeitamente fechado pode ser manipulado sem que nehum efeito tóxico seja produzido. A toxicidade não mudou mas quando não está em contato com um organismo vivo não é possível evidenciar a capacidade de produzir o efeito tóxico (Ottoboni, 1991). 4.1.2 Risco O risco é a probabilidade que apareça um efeito nocivo devido à exposição a uma substância química. 4.1.3 Toxicidade A toxicidade de uma substância química refere-se à sua capacidade de causar dano em um órgão determinado, alterar os processos bioquímicos ou alterar um sistema enzimático. Todas as substâncias, naturais ou sintéticas são tóxicas; em outras palavras, produzem efeitos adversos para a saúde em alguma condição de exposição. É incorreto denominar algumas substâncias químicas como tóxicas e outras como não tóxicas. As substâncias diferem muito na toxicidade. As condições de exposição e a dose são fatores que determinam os efeitos tóxicos (Ottoboni, 1991). 4.1.4 Dose Paracelso, no século XVI afirmou: "Todas as substâncias são tóxicas. Não há nenhuma que não seja tóxica. A dose estabelece a diferença entre um tóxico e um medicamento". Esta afirmação ainda é muito importante para a toxicologia e envolve a idéia de dose. Uma informação muito utilizada é aquela denominada Dose Letal 50 DL50 que é a quantidade de uma substância química que quando é administrada em uma única dose por via oral, expressa em massa da substância por massa de animal, produz a morte de 50% dos animais expostos dentro de um período de observação de 14 dias (Swanson, 1997). Na tabela 1 temos a classificação das substâncias baseadas no valor da DL50. Tabela 1
Outro valor é a Concentração Ltal 50-CL50, que é a concentração no ar de uma substância química que quando é inalada constantemente por 8 horas produz a morte de 50% dos animais expostos. Se a dose de uma substância for suficientemente alta poderá ser perigosa para qualquer ser vivo, assim como também se a dose de uma substância tóxica for muito baixa não produzirá efeito adverso nenhum. A água (um elemento essencial para a vida) quando é ingerida em grandes quantidades pode ter um efeito tóxico. A causa é que um volume superior àquele considerado como ingestão diária normal para um adulto, entre 2 L e 2,5 L, pode causar a eliminação pela urina de substâncias que são essenciais para o organismo. O período de tempo no qual uma dose é administrada e a freqüência são informações muito importantes. Outro dado importante é aquele denominado concentração de interesse (em inglês: levels of concern-LOCs), que é a concentração no ar de uma substância extremamente perigosa acima da qual poderá produzir efeitos graves à saúde ou a morte como resultado de uma única exposição durante um período relativamente curto. Algumas publicações (USEPA, 1987) consideram o LOC como a décima parte da concentração denominada de perigo imediato para a vida ou à saúde (cuja sigla em inglês é IDLH), segundo o publicado pelo National Institute of Occupational Safety and Health NIOSH ou de um valor aproximado do IDLH para animais. 4.1.5 Exposição Para que uma substância química possa produzir um efeito deve estar em contato com o organismo. As substâncias químicas podem ingressar no organismo por três vias principais: digestiva, respiratória e cutânea. Depois do ingresso, por qualquer destas vias, as substâncias químicas podem ser absorvidas e passar para o sangue, seem distribuídas pelo organismo todo, chegar a determinados órgãos onde são biotransformados, produzir efeitos tóxicos e posteriormente ser eliminadas do organismo. Também uma substância química pode entrar no organismo por outras vias, por exemplo, por injeção venosa ou intramuscular, mas estas vias não são de grande interesse desde o ponto de vista toxicológico e especialmente quando se trata de acidentes que envolvem substâncias químicas. Uma forma muito utilizada para classificar as substâncias químicas segundo a toxicidade, está baseado na duração da exposição. Geralmente, os toxicologistas procuram os efeitos da exposição aguda, subcrônica e crônica, e também tentam entender o tipo de efeito adverso para cada uma destas três exposições. 4. 1. 6 Absorção A absorção implica que a substância química atravesse as membranas biológicas, ou seja alcance a correnta sangüínea. No caso da ingetão de uma substância, esta pode ser absorvida em qualquer parte do trato gastrintestinal. A maior absorção ocorre no intestino delgado passando ao sistema circulatório pela veia porta do fígado, sendo portanto transportada diretamente ao fígado. A inalação é a via mais rápida pela qual uma substância química ingressa no organismo. Por exemplo, a inalação do éter etílico, um gás anestésico, que quando chega ao pulmão é absorvido, passa para o sangue e logo o efeito é observado. Também substâncias como o material particulado ou gases podem ingressar pela via respiratória. A via cutânea é outra via de ingresso importante. A espessura da pele nas distintas regiões do organismo influi na absorção. Assi, na região do abdómen e do escroto, onde a pele é mais fina, a absorção é mais rápida que em outras onde a pele é mais gross, como a planta dos pés ou a palma da mão. O paration é facilmente absorvido pela via cutânea. Quando uma área grande de pele estiver em contato com uma substância química, a quantidade absorvida será maior do que aquela de uma superfície pequena. O tempo de contato também é importante, sendo maior a absorção quanto maior for o tempo de contato. 4.1.7 Biodisponibilidade Alguns fatores físicos ou químicos podem afetar a absorção de uma substância em relação à quantidade que deverá ser absorvida e ao tempo de absorção. Por exemplo, não todas as formas químicas de um metal são bem absorvidas no intestino; assim no caso de ingerir mercúrio metálico, pouco será absorvido. Porém, não acontece o mesmo com um composto orgânico como o metilmercúrio. Outra situação é a seguinte: os compostos de bário são tóxicos, mas o sulfato de bário é utilizado, na forma segura, como meio de contraste nas radiografias do cólon devido este sal ser insolúvel em água e em gordura. Não poderia ser utilizado cloreto de bário porque a sua solubilidade em água seria suficiente para que uma quantidade que produz efeitos tóxicos fosse absorvida. Os anteriores são exemplos da importância da forma química do composto em relação à absorção. 4.1.8 Distribuição Depois que a substância química é absorvida ela passa através do sangue por todo o organismo, causando os efeitos nocivos especialmente no órgão alvo. Entende-se por órgão alvo o local onde primeiro se evidencia um efeito nocivo. Para produzir esse efeito a substância química deve atingir uma determinada concentração no órgão, por isso, é importante a dose. A existência de um órgão alvo não significa que nos outros órgãos não sejam verificados os efeitos e à medida que aumenta a dose e o tempo de exposição, outros órgãos poderão ser afetados. 4.1.9 Acumulação Uma parte da substância química, que é distribuída no organismo, pode ser acumulada. Isto pode acontecer também no sangue já que algumas substâncias podem se unir às proteínas sanguíneas. O flúor e o chumbo podem ser acumulados nos ossos, as bifenilenospolicloradas (segundo a sigla em inglês, PCBs) podem ser acumuladas na gordura; outro exemplo é o cádmio que une-se à outras proteínas e é acumulado no rim. 4.1.10 Biotransformação Assim como é utilizada a denominação do metabolismo para indicar a transformação de diferentes substâncias que são necessárias para a vida, se propôs a denominação de biotransformação para o processo de conversão das substâncias tóxicas. O termo biotransformação descreve como os organismos transformam as substâncias tóxicas absorvidas em outras de menor toxicidade e em geral solúveis em água, ou em metabólitos de maior toxicidade como é o caso do ácido fórmico na biotransformação do metanol. Neste processo o fígado cumpre uma função importante. 4.1.11 Eliminação As substâncias solúveis em água são eliminadas pela urina. As substâncias que são voláteis, como o etanol e a acetona, e os gases como o monóxido de carbono eliminam-se parcialmente pelo ar expirado. Algumas também são eliminadas pelo leite e suor. 4.1.12 Efeitos nocivos Os efeitos tóxicos observados podem ser: dano aos tecidos e outras modificações patológicas, lesões bioquímicas, efeitos teratogênicos, efeitos na reprodução, mutagenicidade, teratogenicidade, efeitos irritantes e reações alérgicas. Os três primeiros pontos de contato entre substâncias químicas presentes no ambiente e o organismo são o trato gastrintestinal, o sistema respiratório e a pele. Deve-se lembrar que, as substâncias químicas são absorvidas e passam para o sangue, logo seguem para o fígado, rins, sistema nervoso e o sistema reprodutor, entre outros. Não é possível descrever todos os efeitos que podem ser produzidos pela grande quantidade de substâncias tóxicas; portanto, em seguida será apresentada uma breve explicação.
5. Conclusões Segundo Timbrell, atualmente os toxicologistas conhecem só parcialmente os mecanismos dos efeitos tóxicos das substâncias químicas. Como conseqüência a avaliação do risco para o organismo humano é difícil e incerta. Estas limitações precisam ser lembradas pelo público, industriais, economistas e por aqueles que estão envolvidos nos processos de legislação, além dos toxicologistas. Possivelmente, o público espera muito mais dos cientistas em geral e dos toxicologistas particularmente. Os toxicologistas não podem fornecer todas as respostas às perguntas que o público freqüentemente faz, mais ainda quando exige a segurança absoluta em relação aos compostos químicos. 6. Bibliografia
|
||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||